quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Harrison

E lá se foi o Harry Harrison, mais um velhinho da ficção científica. Aos 87 anos. Nestas idades, a morte não é nem chocante nem inesperada, bem pelo contrário, e o género, que, apesar de haver quem o queira restringir ao tempo e ao estilo de Campbell, já é mais que centenário, já perdeu e irá continuar a perder os seus praticantes mais idosos com toda a naturalidade. Harrison era um deles e chegou a sua hora. Ad astra.

Quem quer saber o que ele foi, para a FC e não só, leia este artigo do Carlos Orsi. Está lá tudo. Escuso de reinventar a roda. Mas quero manifestar aqui algo que já manifestei no twitter.

Cada um gosta do que gosta. Ponto. É assim que as coisas são, e ainda bem que assim são. Mas entristece-me que haja tanta gente a gostar de merdas descartáveis, fúteis e estúpidas, enquanto bons autores como o Harrison acabam a vida esquecidos por quase todos. Entristece-me ver os Harrisons deste mundo sumir-se na obscuridade, enquanto as Meyers e as EL James e tantas outras escritoras e escritores de treta ficam milionários. Entristece-me ver que foi preciso morrer para o Harry Harrison encontrar um cantinho na lista de autores mencionados ao longo dos últimos meses por quem fala de ficção científica literária na internet em português. Nisso, também eu sou culpado: apesar de ter lido vários dos seus livros, já se passaram muitos anos desde que li o último. Tantos anos, na verdade, que nunca cheguei a falar de nenhum deles, seja aqui na Lâmpada, seja no E-nigma.

Harrison está razoavelmente bem publicado em Portugal. Tem livros publicados pelos Livros do Brasil (na Argonauta, claro), pela Caminho e pela Gradiva. Mas há já um par de décadas que ninguém publica nada dele, e é pena. Porque foi um bom autor de FC, por vezes um autor muito bom, outras vezes um autor hilariante. Dos livros que li, aquele de que gostei mais foi À Beira do Fim, um soberbo romance sobre a sobrepovoação e os perigos que ela acarreta. Datado? Sim, um pouco. Mas mesmo datado é um romance que devia ser obrigatório para ver se as pessoas percebem melhor certos fenómenos bem presentes no nosso presente. Não é literatura da treta. É literatura relevante. Ou que o devia ser, pelo menos.

Talvez a morte do homem sirva para que haja quem redescubra o autor ou o descubra pela primeira vez. É um fenómeno comum, que costuma repugnar-me. Mas neste caso parece-me que seria bom.

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